Micas e os abrileiros
Chegou-me às mãos o livro de “Micas” sobre os seus “35 com Salazar”. Só que o volume aparece com um co-autor, um sr. Joaquim Vieira, apresentado como “jornalista e ensaísta”, e cuja função é “passar para o papel” as memórias da pupila do Presidente do Conselho, fornecendo-lhes – e aqui é que está a pièce de résistance – o devido “enquadramento histórico”. Já na dedicatória o enquadrador histórico invoca os pais para agradecer o ensinamento das virtudes da “tolerância”... O que vem a seguir, o tal “enquadramento histórico”, é simplesmente a inserção, na introdução e em cada capítulo, de extensos comentários a respeito dos temas invocados e dos episódios rememorados pela sra. Maria da Conceição de Melo Rita. É assim: o sr. Joaquim Vieira, experimentado na arte da escrita e, pelo que se vê, também na ciência histórica e política, ao dar uma mãozita à tarefa da Micas, aproveita para dar a sua opinião acerca de Salazar, homem e obra, não vá para aí algum leitor incauto sensibilizar-se demasiado com o retrato simpático e bondoso do estadista feito por sua protegida. Armado com o vocabulário de costume – o “ditador”, repetido à exaustão; a “ditadura”; a “censura”; a "Pide", “polícia política que persegue, prende e tortura”; o "Tarrafal"; a "execução" de Humberto Delgado; a "guerra colonial", resultante da "obstinação e intransigência do ditador”; as “práticas protofascistas”; etc., etc. e, sobretudo, etc. – o enquadrador histórico vai desferindo coices aqui e acolá, num autêntico exercício de apresentar o negativo do retrato de Salazar desenhado pelas saudosas e saborosas recordações de sua antiga pupila. Tem interesse, sem dúvida, o relato da sra. Maria da Conceição, com a revelação de pormenores acerca da vida caseira do homem Salazar, nos raros momentos em que não era o super-homem do Estado. É de louvar a iniciativa de dar a conhecer o seu testemunho e manifestar a sua fidelidade inabalável à memória de Salazar. O que está mal é a má companhia de Joaquim Vieira. Infelizmente, estou convencido de que as recordações da Micas vão ajudar a nova estratégia antisalazariana dos abrileiros – a banalização do homem, iniciativa cujo grande promotor parece ser o sr. Fernando Dacosta, outro "ensaísta e jornalista". A demonização absoluta não resultou. Daí passaram à ocultação pura e simples. Mas a imagem de Salazar, a memória do homem e da obra, o exemplo ímpar, puramente genial, insistem em pairar tal nuvem negra de tempestade sobre as cabecinhas da cáfila que desmantelou Portugal – daí a raiva canina, a baba e o ranho. Parte-se então para a banalização. Vão querer transformar Salazar num homem qualquer. Qualquer como os outros. Qualquer como eles, os abrileiros? A tropa das bananas, ou banalizadora, preparadíssima que está, não vai dormir na formatura. Não vai não. Vai mesmo é ser chumbada. A verdade pode levar muito tempo, mas acaba sempre por vir ao de cima.
3 Comments:
Peguei no livro numa livraria e li-lhe um pedaço. O escoicejar do tal jornalista deu-me clara ideia que se aproveitaram vilmente da srª Dª Micas para encher os bolsos (primeiro que tudo) e recitar a cantilena de caminho.
A banalização de Salazar? É possível. Mas facturar ignobilmente primeiro. Sempre primeiro.
Cumpts.
É a verdade nua e crua, Caro Bic. Antes de escoicejar há que garantir facturação abundante - é a indústria abrileira na sua quinta-essência.
Um abraço.
Completamente d'acordo com o que escreveu e também com Bic Laranja. E esse DaCosta, que também andou a escrever sobre Salazar (creio que já vai em dois livros) e que volta não volta dá entrevistas sobre o mesmo assunto - porque o tema 'Salazar' é que dá direito a 'empochar' e não é pouco, os outros assuntos já estão cediços, não resultam nem rendem, as pessoas já não compram e menos ainda suportam ouvir falar em livros sobre 'esta' política ou 'estes' políticos ou esta ditadura mascarada de democracia - e ora diz
bem do anterior Regime e do seu Presidente do Conselho (agora para ele ambos foram o máximo dos máximos em todos os aspectos) ora - no meio de muito palavreado tosco e ziguezagueante, diz o que sempre disse nos anos em que lhe convinha alinhar por oportunismo, na esquerda revolucionária, por onde aliás sempre andou e possìvelmente militou e porventura ainda milita, mas hoje fingindo o contrário como lhe convém - o pior possível do mesmo. Uns tempos, poucos, após a queda da União Soviética, quando ele sentiu as costas quentes começarem a esfriar, como todos os oportunistas de gema, toca a virar a casaca e ràpidamente apanhar o comboio do centro, senão mesmo o da direita e afivelar o discurso moderado, porque não há como escrever e dar entrevistas contemporizadoras sobre o 'antigamente' para os dividentos (agora que estes ventos estão de feição e os anteriores lhe são contrários) continuarem a entrar a rodos, mesmo afirmando e escrevendo o oposto do dito e escrito anteriormente. Eles, todos, sabem que os povos têm a memória curta e esquecem depressa quem lhes fez mal e, como bons hipócritas e desavergonhados que são, aproveitam-se disso e de que maneira. Basta olhar à nossa volta e verificar-se-á que os políticos que mais mal fizeram a Portugal e a milhões de portugueses, os maiores traidores e criminosos de Portugal, são quem tem sido mais votado (em eleições fictícias e resultados aldrabados, é certo, mas o povo acredita que não e isso é que lhes interessa) e quem tem (justamente por isso) conservado as rédeas do poder desde Abril. Não houvessem eles cometido crimes incomensuràvelmente maiores e este seria já gravíssimo o suficiente, para os meter nos calabouços até ao fim dos seus dias.
Não passava aqui há muito tempo, passei hoje e gostei muito dos textos que ainda não havia lido. Parabéns por eles.
Maria
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