Brasil... mentiras mil
Uma temporada em no Brasil foi suficiente para mostrar que este país tem hoje mais em comum com o Iraque, a Venezuela ou Cazaquistão do que com Portugal. Lêem-se jornais, liga-se a televisão, o rádio, conversa-se aqui, ali... e nada - Portugal sumiu do mapa. Simplesmente ignora-se a existência da Mãe-Pátria (para aí alguns muito sábios dizem "país-irmão", confundindo, se calhar, maternidade com fraternidade). Atirados às valetas do esquecimento estão os tempos não muito longínquos das grandes comemorações conjuntas, das edições de grandes e primorosos livros, das exposições, dos monumentos, dos tratados solenes que buscavam reconstruir algo da unidade que é filha do sangue e da História comuns. Interessa a alguém - de qualquer lado do Atlântico - a preservação da alma portuguesa do Brasil? Acaso excederá uma mão cheia aqueles que dão importância a esses lances da identidade e do património dos povos? Mas se Portugal é ignorado como regra, isso não impede que certas opiniões e juízos equivocados sejam propalados de quando em vez como excepção. Depois de um aviltante filme a ridicularizar D. João VI e D. Carlota, ouve-se já algum murmurinho relativo à "fuga" da família real portuguesa para o Brasil. No próximo ano completa-se o bi-centenário da transferência da corte, o que constitui uma excelente oportunidade para achincalhar um pouco mais a progénie - desporto (i.e., ischpórtchi) dilecto de um certo tipo de brasileiro. Eu, teimoso que sou, vou dando os meus murros em ponta de faca, na esperança de que a verdade histórica seja recuperada. Fuga? Não teria sido mais fácil, mais rápido e incomparavelmente mais cómodo para os Braganças buscar refúgio em Inglaterra? Para desmistificar este embuste cito aqui uma passagem da obra História Diplomática de Portugal (1997), de autoria do Emb. José Manuel Fragoso, onde apercebe-se claramente que a transferência do centro de poder lusitano correspondeu a um plano de Estado pensado havia muito.
Não raro entre os historiadores menos familiarizados com os antecedentes da medida, a transferência - ou transmigração como preferem alguns historiadores - é tida como fuga: mas a generalidade dos tratadistas reconhecem que a decisão correspondeu a um plano de Estado, de que Martim Afonso de Sousa, o donatário de São Vicente do século XVI, teria sido o primeiro a anunciar quando apontou a D. João III a "doidice (que) seria viver um rei na dependência de seus vizinhos, podendo ser monarca de outro maior mundo". Meio século mais tarde, derrotada a candidatura do Prior do Crato à sucessão de D. Sebastião, fora D. António aconselhado pelo capitão do porto de Lisboa a aproveitar as naus ali aparelhadas e fazer-se à vela para o Brasil, de modo a nele estabelecer o trono português. Do mesmo modo, D. João IV, durante os anos da periclitante luta para consolidar a restauração, teria considerado o plano do padre António Vieira de sentar no trono de Lisboa o seu filho D. Teodósio, enquanto ele próprio iria defendê-lo a partir do Brasil. Também, D. Luís da Cunha, no século XVIII, confessava a D. João V - para cuja magnanimidade lhe parecia modesto o reino europeu! - ter pensado em sugerir ao soberano "aquelle imenso continente do Brasil" para que nele "tomasse o título de "imperador do Ocidente". Do mesmo modo, quer após o terramoto, quer quando, pouco depois, a nação mais uma vez sofreu nova invasão espanhola no decurso da Guerra dos Sete Anos, o marquês de Pombal visionara a transferência de D. José e da família real para o Brasil. Por último, em 1801, ou seja, seis anos antes da decisão final, o marquês de Alorna recomendara a instalação da corte no "grande império do Brasil". Perante a hesitação do príncipe D. João, mais incisiva viria a ser a sugestão, dois anos após, desta vez por parte dos conselheiros e ministros D. Rodrigo de Sousa Countinho e Silvestre Ribeiro Ferreira, acentuando este último "que à lusitana monarquia nenhum outro recurso restava, senão o de procurar quanto antes nas suas colónias um asilo contra a hidra então nascente, que jurara a inteira destruição das antigas dinastias da Europa". E Talleyrand recomendara aos delegados portugueses no Congresso de Viena que aconselhassem D. João a manter a corte no Rio de Janeiro, de modo a que o Brasil fosse elevado a reino unido a Portugal, assumindo o príncipe D. Pedro o governo em Lisboa.
Não raro entre os historiadores menos familiarizados com os antecedentes da medida, a transferência - ou transmigração como preferem alguns historiadores - é tida como fuga: mas a generalidade dos tratadistas reconhecem que a decisão correspondeu a um plano de Estado, de que Martim Afonso de Sousa, o donatário de São Vicente do século XVI, teria sido o primeiro a anunciar quando apontou a D. João III a "doidice (que) seria viver um rei na dependência de seus vizinhos, podendo ser monarca de outro maior mundo". Meio século mais tarde, derrotada a candidatura do Prior do Crato à sucessão de D. Sebastião, fora D. António aconselhado pelo capitão do porto de Lisboa a aproveitar as naus ali aparelhadas e fazer-se à vela para o Brasil, de modo a nele estabelecer o trono português. Do mesmo modo, D. João IV, durante os anos da periclitante luta para consolidar a restauração, teria considerado o plano do padre António Vieira de sentar no trono de Lisboa o seu filho D. Teodósio, enquanto ele próprio iria defendê-lo a partir do Brasil. Também, D. Luís da Cunha, no século XVIII, confessava a D. João V - para cuja magnanimidade lhe parecia modesto o reino europeu! - ter pensado em sugerir ao soberano "aquelle imenso continente do Brasil" para que nele "tomasse o título de "imperador do Ocidente". Do mesmo modo, quer após o terramoto, quer quando, pouco depois, a nação mais uma vez sofreu nova invasão espanhola no decurso da Guerra dos Sete Anos, o marquês de Pombal visionara a transferência de D. José e da família real para o Brasil. Por último, em 1801, ou seja, seis anos antes da decisão final, o marquês de Alorna recomendara a instalação da corte no "grande império do Brasil". Perante a hesitação do príncipe D. João, mais incisiva viria a ser a sugestão, dois anos após, desta vez por parte dos conselheiros e ministros D. Rodrigo de Sousa Countinho e Silvestre Ribeiro Ferreira, acentuando este último "que à lusitana monarquia nenhum outro recurso restava, senão o de procurar quanto antes nas suas colónias um asilo contra a hidra então nascente, que jurara a inteira destruição das antigas dinastias da Europa". E Talleyrand recomendara aos delegados portugueses no Congresso de Viena que aconselhassem D. João a manter a corte no Rio de Janeiro, de modo a que o Brasil fosse elevado a reino unido a Portugal, assumindo o príncipe D. Pedro o governo em Lisboa.
14 Comments:
VOLTOU QUE ALEGRIA!
Ó Euro, se esteveno Brasil porquê não veio pra São Paulo para encontrarmo-nos?
Embora de partida para férias, saúdo o Seu regresso.
Cumprimentos.
Mário
Obrigado Caro Acja. Vejo que também regressou ao blog em força. Da próxima vez SP será parada obrigatória.
Um abraço
Caro Mário, obrigado. Cá o esperamos para "ouvir" a "Voz" depois de umas grandes férias.
Um abraço
Bem vindo, bem vindo! E logo com um tema desses... que não cabe na blogosfera; oxalá fora isto mesmo uma tertúlia "live"...
Bem haja! Folgo em revê-lo. Já agora, por acaso, ainda antes de ontem, numa livraria, estive com o "Empire Adrift" em mãos avaliando se valia a pena leva-lo ou não. Fiquei com receio do conteúdo e acabei levando uma biografia de D. Pedro II, ótima, por sinal. Suponho que tenha lido o "Empire Adrift". O que achou? Vale meus parcos reaiszitos? Cumprimentos, jjm.
A título de desagravo, mando-lhe o blog dum brasileiro às direitas. Acho que vai gostar.
http://gloriadaidademedia.blogspot.com/.
Cumprimentos, jjm.
Caro Je Maintiendrai,
Obrigado pela recepção! Depois do delicioso "bilhete de Roma" a cidade eterna regressa ao plano de voo.
Abr.
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Amigo Anónimo,
Obrigado. Ainda não li a obra. Confesso que também duvidei do conteúdo, mas decidi adquiri-la. Em breve direi da minha justiça.
Apreciador da Idade (que não era das "trevas") Média achei óptima a sugestão do http://gloriadaidademedia.blogspot.com/
Abr.
Muito oportuno.Dá gosto ler textos assim.
Saúdo o seu regresso. O tema é como diz o Je Maintiendrai...
Já li o livrinho cuja capa apresenta. Exactamente na edição inglesa. As hesitações que vejo aqui justificam-se:pende para o fraco. O autor é australiano e parece-me que não disfarça algum ressabiamento anti-colonial, possivelmente consolidado no Brasil, por onde andou em O.N.G. ou algo parecido. Desliza para algumas alarvidades desnecessárias (e pouco fundamentadas) sobre o D. João VI, o que deslustra a obra. Duvido que o fizesse referindo-se à família real britânica (e daí não sei, hoje qualquer baixeza colhe). O resto é trivial, embora acentue de entrada o historial da ideia de mudança da corte para o Brasil.
Lembro-me que tomei algumas notas no caderninho para algum verbete que ao depois não fiz... O caso é que é mais uma obra para deixar esquecer. Ele há tanta coisa melhor.
Cumpts.
Poderei chamar Portugal de "país-irmão" quando os brasileiros não serem mais tratados como caipiras indesejados na "terrinha", ou onde nossas mulheres são vistas como meretrizes. Ora pois, vem um português no Brasil e ele será tratado com todas as regalias possíveis; infelizmente, o tratamento não é recíproco na "pátria-madrasta". Desculpa, mas precisava desabafar!!!
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